Por Cristiane Pires e Liliane Bertelli Imura Cisotto
Temos acompanhado, semanalmente, Projetos de Lei, Medidas Provisórias, enxurradas de emendas parlamentares, além de outros veículos normativos, sendo editados com as vestes de trazer mais isonomia ao sistema tributário e trazer um reequilíbrio nas contas, especialmente com as altas demandas sociais decorrentes da pandemia que vivenciamos. E a solução que sempre volta à pauta é a tributação de “quem tem mais”.
Assim, visando a tributar mais o contribuinte com maior renda ou posses, temos projetos sobre tributação sobre grandes fortunas, empréstimos compulsórios, emendas sugerindo alterações de leis para que haja tributação de lucros e dividendos pagos pelas empresas, impossibilidades de deduções dos juros sobre capital próprio pagos pelas empresas, dentre tantas outras medidas.
O estado de São Paulo não ficou para trás. Tramita na Assembleia Legislativa o Projeto de Lei nº 250 de 2020, que prevê o aumento no valor do Imposto sobre “Causa Mortis” e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos (ITCMD) - sabe-se que este é um grande desejo de longa data dos estados.
O PL 250/2020 altera a Lei nº 10.705 de 2000 que dispõe sobre a instituição do ITCMD, aumentando a alíquota do imposto de acordo com os critérios nele veiculados. De acordo com o preâmbulo do projeto, tal alteração visa mitigar os efeitos da pandemia trazida pela COVID-19.
A justificativa do projeto baseia-se no fato de ser o Brasil o segundo país de maior concentração de renda do mundo, de acordo com o Relatório de Desenvolvimento Humano do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). O que demandaria medidas que visassem acabar com o que se designou de “privilégio imoral”, como a adoção de “normas tributárias progressivas e justas, no âmbito de uma ampla reforma que democratize o acesso à renda e ao patrimônio a todos os brasileiros”
Ainda segundo a justificativa do projeto, este viria para (i) corrigir aspectos da Lei da ITCMD por meio do esclarecimento dubiedades e a falta de clareza que estariam presentes em alguns de seus artigos, e que abrem margem para brechas utilizadas para a sonegação fiscal; (ii) diferenciar os limites iniciais das faixas de isenção para as doações; (iii) estabelecer regras progressivas para a cobrança do referido imposto; (iv) diminuir a desigualdade social (o que, segundo os proponentes do projeto, demandaria também o aumento do teto estabelecido pelo Senado Federal, acompanhando a tributação de países como Estados Unidos, o Reino Unido, o Japão, a Alemanha e a França; (v) e reunir mais recursos para oportunizar maior apoio público às pessoas mais vulneráveis e carentes, tanto no socorro de sanitário às vítimas da pandemia do coronavírus como no apoio financeiro àqueles cuja renda cessou em virtude das medidas de isolamento social.
Explicando, o aludido projeto traz a viabilidade do aumento progressivo da alíquota do imposto 4% a 8% e traz alíquotas diferenciadas entre herança e doações, sendo a alíquota de 8% já aplicável para imóveis com valor superior a 90.000 UFESP´s.
A base de cálculo dos imóveis, urbanos ou rurais, deverão seguir o valor de mercado de acordo com os dados que serão fornecidos pela Secretaria da Fazenda, que poderá celebrar convênios, termos de cooperação, parcerias, contratar serviços especializados ou adotar outros procedimentos previstos na legislação para tal fim. Enquanto não houver a divulgação o imposto incidirá sobre: se imóvel rural, o valor da terra-nua e de imóveis com benfeitoria, ou se imóvel urbano, o valor utilizado pela administração tributária de cada município do local do bem para fins de tributação do ITBI, podendo ser utilizado, também, o valor base para o cálculo do IPTU.
Salientando que, o imóvel cujo valor não ultrapasse 10.000 UFESPs, será isento do imposto se os familiares beneficiários nele residirem ou não tiverem outro imóvel, bem como terá direito a isenção o imóvel cujo valor não ultrapassar 4.000 UFESPs desde que seja o único transmitido.
Parte significativa das alterações diz respeito a doação com reserva de usufruto, que, se aprovado o projeto, passará a considerar o valor integral do bem, diferentemente da regra atual que tem-se a opção de pagamento integral ou pagamento de forma parcelada, quando considera-se como base 2/3 do valor do bem, na instituição do usufruto por ato não oneroso e outra, quando da extinção do usufruto, com base de cálculo equivalente a 1/3 do valor do bem, com base na Lei nº 10.705/00 (artigo 9º, §2º).
No caso de transmissão dos frutos e rendimentos dos bens do espólio após o falecimento do autor da herança, haverá tributação, diferentemente do que ocorre atualmente, em que não há a incidência sobre esses valores, haja vista o descrito no artigo 2º do Projeto de Lei que tende a revogar o artigo 5º, II da Lei 10.075/00.
O projeto apresentado tem grandes chances de ser aprovado e, mais do que nunca, nos mostra a necessidade de começarmos a traçar as estratégias voltadas para o planejamento sucessório, pois, não sabemos o que vem pela frente. E, caso isso ocorra, deverá a nova lei deverá atender ao princípio da anterioridade, produzindo efeitos apenas no exercício subsequente ao da publicação, observando também o período mínimo de 90 dias.
A nosso ver, no entanto, em que pese as boas intenções dos autores do projeto, os Deputados Paulo Fiorilo e José Américo, ambos do Partido dos Trabalhadores (PT), o aumento da carga tributária neste momento que passamos não parece a melhor solução.
É patente que a situação de semi-lockdown impactou a arrecadação de receitas para o Estado que continua tendo de cumprir com todas suas atribuições e zelar pelo social. Ocorre que majorações e instituições de novos tributos no calor da emoção, podem trazer um revés, de prejudicar ainda mais a situação econômica da população, provocando ainda mais o inadimplemento tributário. Em um momento em que sofremos com a perda de parentes e amigos, também não parece o momento ideal para majorar justamente o imposto “causa mortis”.
Ademais, não nos parece que a propriedade de imóvel de 30.000 UFESPs, por exemplo, seja elemento da concentração de renda no país, (lembrando, atualmente a UFESP está no patamar de R$ 27,61), e que a maior tributação dessa base nos hipóteses abarcadas pelo ITCMD vai resolver o problema de desigualdade ou nos salvar da crise que atravessamos.
Talvez, assim como todos nós particulares, o poder público também tem que ter paciência, saber esperar para tomar as melhores medidas no seu tempo certo, respeitando os direitos e garantias dos seus jurisdicionados.
Mesmo com alta tributação, é cediço que não há retorno social que satisfaça a população, nem antes, nem agora, então, que a solução para a situação que enfrestamos é o Estado trabalhar controlando as despesas públicas existentes colocando olhos nas leis adstritas ao orçamento.
A saída é trazer transparência à sociedade para que haja um equilíbrio entre direitos e deveres dos jurisdicionados e o Poder do Estado, de modo que um aumento de impostos não seja utilizada como medida para tampar buracos em épocas de crise.
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Liliane Bertelli Imura Cisotto. Advogada, graduada pela Faculdade de Direito de Sorocaba- FADI. Título de especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributário-IBET e em Direito Empresarial pela Faculdade de Direito da Fundação Getúlio Vargas- FGVlaw, Presidente da Comissão de Direito Tributário da 214ª Subseção da Ordem dos Advogados do Brasil em São Paulo- OAB/SP.
Cristiane Pires. Advogada, Mestre e Doutoranda em Direito Tributário, Financeiro e Econômico pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo - USP. Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários - IBET. Docente nos Cursos de Especialização do Instituto Brasileiro de Estudos Tributários - IBET. tributários. Presidente da Comissão de Direito Tributário da 33ª subseção da Ordem dos Advogados do Brasil em São Paulo - OAB/SP.
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